Biodiversidade e conservação dos Pampas
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Márcio Borges Martins
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Professor do Departamento de Zoologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
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Grande parte da superfície territorial do Sul do Brasil era
originalmente coberta por extensas formações vegetais abertas, os
chamados campos sulinos. Essas formações possuem uma identidade
biológica interessante, caracterizada por uma série de espécies
endêmicas, além da forte identidade cultural, associada no presente ao
gaúcho e as suas tradições de criação extensiva de gado.
Apesar da diversidade e importância cultural, as formações campestres do sul do Brasil não têm recebido atenção conservacionista adequada e o nível de proteção a esses ecossistemas é muito inferior ao recomendável. Atualmente, menos de 0,5% do Bioma Pampa está inserido em unidades de conservação de proteção integral. Os campos sulinos estão distribuídos ao longo de dois biomas distintos: o Pampa, que cobre a metade Sul do Rio Grande do Sul e se estende para o Uruguai e Argentina, e os campos ao Norte, que se caracterizam pela formação de mosaicos associados às Matas com Araucária. No Rio Grande do Sul, o bioma Pampa tem uma área aproximada de 176.000 km2, ocupando 63% da área do Estado (IBGE, 2004). Os campos do Sul do Brasil possuem uma alta diversidade biológica vegetal, sendo que o Pampa é uma das regiões no mundo mais ricas em gramíneas. Apenas no Pampa do Rio Grande do Sul estima-se que ocorram cerca de 3 mil espécies vegetais. Além disso, mais de 300 espécies de animais vertebrados terrestres (anfíbios, répteis, aves e mamíferos) são conhecidas. A descrição e estudo dessa diversidade são certamente mais lentos e difíceis para que a opinião pública em geral possa supor. Também estão muito aquém da finalização. Registrar a composição biológica e os padrões de distribuição de qualquer grupo de organismos é uma das atividades básicas, porém essenciais, no estudo da biodiversidade de uma determinada região. Contudo esses estudos requerem grande investimento de tempo e dinheiro. Um fator agravante nesse processo é a severa alteração observada em nossos ecossistemas, o que dificulta a documentação da fauna, ao mesmo tempo em que tem levado várias espécies ao status de ameaçadas de extinção – somente no Pampa gaúcho são conhecidas 146 espécies vegetais nessa situação. Graças à prática da pecuária típica da região, cerca de 50% da cobertura original de campos ainda apresentam características naturais ou seminaturais (com uso para a pecuária), porém as áreas sem uso antrópico representam apenas de 4% a 12% desta fração. Para exemplificar a carência de informações, podemos citar a descrição em 2007 de uma nova espécie de coral-verdadeira (Micrurus silviae) endêmica das áreas de campos do oeste do Rio Grande do Sul. O encontro de uma espécie de interesse médico e de grande porte, que atinge até 1,5m de comprimento, é um forte indicativo do pouco conhecimento existente sobre a fauna da região. Da mesma forma, uma nova espécie de sapo endêmica do Pampa do Rio Grande do Sul e Uruguai foi descrita apenas no ano de 2004. Além desses exemplos, em pouco tempo de estudo, nossa equipe já encontrou outras espécies de sapos, serpentes e lagartos desconhecidos da ciência ou que não possuíam registro científico para o Brasil. Buscando sanar parte destas lacunas de conhecimento, nosso grupo de pesquisa, formado por pesquisadores e estudantes do Brasil e Uruguai, têm direcionado esforços no sentido de catalogar a ocorrência dos anfíbios e répteis do Pampa. Devido a uma série de características em sua biologia e distribuição geográfica, seu estudo pode fornecer importantes subsídios para a preservação do Pampa como um todo, especialmente no que se refere aos efeitos potenciais das mudanças climáticas previstas para as próximas décadas. Atualmente, com patrocínio da Fundação O Boticário de Proteção À Natureza, nossa equipe vem descrevendo os padrões de ocorrência e distribuição dos anfíbios e répteis e usando algumas ferramentas computacionais de Modelagem de Nicho Ecológico, que permitem projetar modelos da distribuição potencial, atual e futura em diferentes cenários climáticos. Os modelos de distribuição mostraram-se uma ferramenta eficaz, com ampla utilização em pesquisas ecológicas, de evolução e conservação. Estes modelos têm sido empregados em estudos diversos, visando entre outros objetivos a predição da distribuição geográfica atual e potencial, estimativa de invasão de espécies exóticas, o efeito de mudanças climáticas e ambientais e o desenho de unidades de conservação e priorização de conservação. O uso de abordagens como a Modelagem de Nicho Ecológico, que tiram proveito do melhor conhecimento teórico e computacional disponível sobre o tema, associado a dados referenciados e validados por especialistas, permitirão gerar hipóteses sobre os impactos das alterações climáticas e a distribuição das espécies, que podem servir de ferramenta de trabalho para inúmeros estudos futuros. Através dessas previsões poderemos identificar as espécies e regiões mais sensíveis às alterações climáticas e ambientais sugeridas para o futuro e com isso indicar áreas prioritárias para conservação do Pampa. Certamente, o incremento contínuo no conhecimento sobre os diferentes componentes da biodiversidade em associação com o uso sustentável dos recursos naturais será o caminho para a conservação do Pampa. A valorização da pecuária extensiva bem manejada parece fornecer um cenário promissor, tanto para a preservação da biodiversidade quanto da cultura gaúcha. Mas, para isso, o avanço do conhecimento científico neste quesito é fundamental. Colaborou no texto: Caroline Zank, Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Biologia Animal da UFRGS. |
quarta-feira, 18 de julho de 2012
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